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ção mesmo dice offrecer em lugar de offerecer, e usou de outras syncopas semelhantes. O excellente pocta extendeu-se em uma carta acerca dos archaismos, tocando apenas no vicio de introduzir sem necessidade vozes das linguas modernas, que as mais das vezes casam mal no portuguez. Se reflectirmos que não era o archaismo que infestava os escritos, mas o gallicismo, he forçaso concluir que elle não escolheu bem o momento para a sua critica. Melhor o fez Antonio Ribeiro, atacando a má introducção de palavras estrangeiras; e, quando houve de reprovar os archaismos, não o fez em geral, zombando só dos que se servem da linguagem velha sem discernimento, que vam buscar aos comicos de Sá e Vasconcellos termos chulos para os encaixar em estylo sublime ou elevado. A' vista da invasão da lingua Franceza na nossa ena Castelhana, he mister que resuscitemos as riquezas mal enterradas que nos legaram nossos maiores. E quando para cousas novas nos faltem palavras ou expressões, devemos recorrer ao latim e ao grego, ou tambem ao castellano cujos sons tanto se accommodam aos nossos ouvidos; ao depois, ao italiano; ao depois, ao francez : as vozes das outras linguas, exceptuados alguns dialectos da França e da Italia, raramente podem entrar no portuguez. Quem sabe se a autoridade de Garção não influiu na timidez dos nossos em servir-se de expressões que a ignorancia tinha posto em aquecimento? Assim o penso, não obstante o prazer que me causa a leitura dos seus elegantissimos versos,

681-665. Enéas, desprezando os que lhe fogem e os que de longe lhe atiram, só quer o duello; mas, vendo que Turno o evita, que um farpão de Messapo The tinha levado a cimeira e as plumas, resolve-se a pelejar. Com arte retarda-se o duello, para que os rivaes ainda assinalem seu valor. Enéas, por inspiração de Venus, ataca a Laurento, depois de solemnes protestos. A rainha suicida-se; o que sabido por Turno, apezar das preces da irmã, corre a travarse com Enéas. O que se segue he admiraval; mas só direi dos versos 760 e 761, na traducção 737 e 738. Tem M. Amar que Segrais se acha embaraçado para justificar a Enéas de não consentir que substituam a Turno a espada que se lhe quebrara. Postoque não approvo o collocar-se o heroe na precisão de ser justificado, a pecha de cobardia não the cabe jámais; pois, não obstante haver Juturna trazido a espada ao irmão, este não deixou de ser vencido e morto. Euéas viu duas vezes rotos os pactos, por capitães de nomeada que seguiam a Turno, por Tolumnio e Messapo; temeu que, a titulo de trazerem a espada, se introduzissem traidores que, unidos ao formidavel compeão, o atacassem conjuntamente, a elle não de todo são, sem suas forças e costumada ligeireza: em tam desigual partido podia succumbir. O chefe cujo fim não era mostrar valentia, mas cstabelecer os seus, tinha a obrigação de prevenir os perigos.

781, 757. Para provar o que dice de Constancio, isto he que dá por antiquados os termos usuaes, aqui ponho um exemplo no appellativo tóco. Tôco não he qualquer tronco; he o que resta de uma arvore que se corta, ou rente ou quasi rente do chão : um tronco de que sajam ramos e galhos, não se pode chamar tóco. No Brazil o vocabulo he vulgar; creio que o he tambem em Portugal, ainda que não tanto.

O desfecho por um duello he como o da Iliada; mas Virgilio, vendo que a acção em Homero enfraqueceu com a continuaçã› dos funeraes de Heitor, vendo ao mesmo tempo que a pintura destes em si mesma era do mais bello effeito; imitando se houve com tal gosto que equivale ao menos á invenção:

var.

descreveu atrás os funeraes de Pallante com toques só proprios do seu pincel, acaba a Eneida, pelo duello, nada accrescentendo ao dramatico deste remate. « A Eneida, conclue Mr. Amar, he sem replica uma admiravel obra de poesia e uma das mais bellas de Homero, segundo se tem dito; mas, como epopea, deixa infinitamente que desejar, quanto ao plano, à disposição, sobre tudo ao caracter principal...« Um sabio moderno, L. A. Bartenstein, professor em Cobourg, vai mais longe : foram, no seu conceito, os louvores prodigalisados a Augusto e a seu governo que determinaram Virgilio moribundo a pedir que queimassem a Eneida; o que explicaria o afogo do principe em a conserEu aqui não creio em M. Amar, nem em Bartenstein. Não sei como o primeiro acha infinitamenta que desejar na Eneida: o que he infinitamente defeituoso não pode ser uma das melhores obras de Homero: he rebaixar em demasia o poeta Grego, ou desconhecer a força dos vocabulos. A hypothese de Bartenstein he das innumeraveis que não tem solida base : Virgilio queria queimar a obra só pela razão que os seculos tem acceitado, pela imperfeição do estylo mórmente dos ultimos livros. Bartenstein, como he mania de não poucos dos seus, gostava de ser o padre Hardouin, de aventurar conjecturas; e a sua he derribada pelo poeta, que, no mesmo testamento onde mandava queimar a Eneida, legou a Augusto a quarta de seus bens. - Em vez de ser infinitamente defeituoso o caracter de Enéas, admira como com tam feliz exito se combinaram tantas qualidades e virtudes, sem contradicção nem desparate nas acções, descontado o sacrificio de homens no tumulo de Pallante, que na superstição daquellas tempos barbaros tem a sua descarga. O heroe de Virgilio he um de Homero, afeiçoado e moldado conforme ás ideas progressivas do genero humano.

A' pag. 200, fui curto acerca das abelhas, por falta de informações. Estando quasi toda impressa esta obra, forneceu-mas em abundancia o mordomo da Casa Imperial; e aqui as dou em resumo, para não alongar as notas. Se á pag. 200 ha cousa opposta ao que vou referir, he claro que se deve dar mais peso aos ultimos esclarecimentos.

Além de alguns mais antigos, tentaram a introducção os negociantes Machado Coelho, Carneiro da praia de D. Manuel, o Francez Riedy; mas pereciam as abelhas na viagem, ou de fome ou de mal arejadas ou do contacto com as mortas. O cidadão Manuel Joseph Pereira de Sequeira inventou uns caixões proprios, donde se podessem tirar as que morressem, com frestas e compartimentos adequados; e para a despesa recorreu ao padre Antonio Pinto Carneiro, filho do Porto. Este prestou-lhe os meios; com o que foi a Portugal, em Santo-Thyrso comprou as colmèas, e pelo seu methodo as trouxe ao Rio de Janeiro, aonde chegou em Março de 1839. Ao depois, Sequeira como que ficou no escuro; e apezar de ser quem as foi buscar e as conservou na viagem, figurou como introductor unico o padre Pinto Carneiro, a cuja custa vieram. Pede a justiça que se reparta a honra entre os dous; pois Sequeira mũitos aunos antes, instigado pelo que lera em Casado Giraldes e no padre Ayres (o celebre geographo, do Crato em Portugal), pensava nessa empresa e na sua utilidade.

Pinto Carneiro as teve no Saco-do-Alferes, depois no Engenho-Velho; mas, attacado da epilepsia de que falleceu em Dezembro de 1842, passaram as abelhas em 1841 à Imperial quinta da Boa-Vista. O augmento he incalculavel:

uma colmea dá tres, quatro ou mais enxames, e no fim do anno, pela reprodução das do começo, ha quem tenha obtido um numero prodigioso. Regularmente enxamêam de Fevereiro até Maio; ás vezes as primeiras se reproduzem, e escapam garfadas que, por serem as suas mestras mais novas, sam do maior proveito. Param em Agosto ou Setembro; seguem depois até meiados de Janeiro. Se pela secca diminuem as flores, ha menos abundancia de cera, cujo fabrico cessa, e perdendo a mestra a fecundidade, as trabalhadeiras enchem de mel os alveolos, até que recomecem a cera na vindoura florecencia.

Resolvi me a final, sem embargo das razões expendidas na pag. 4, a dar aqui por extenso o juizo do Sr. Sotero dos Reis; mas cito sómente os versos que elle analysa, remettendo o leitor aos respectivos lugares.

Um comprovinciano nosso, o Sr. Odorico Mendes, actualmente em França, tem feito da lingua de Camões, de Ferreira, de Garção e de Francisco Manoel, ou da linguagem poetica do idioma portuguez, um estudo tão aprofundado, que neste conhecimento e nos que com elle tem estreita relação, como o da linguagem pootica dos idiomas estranhos, não encontra rival no Brazil, e não sabemos que haja quem o exceda em Portugal nestes ultimos tempos.

Desde a mais tenra mocidade cultivamos a preciosa amizade do Sr. Odorico Mendes, e sempre o conhecemos dedicado a este gencro de estudos, que hoje tem levado a grande apuro e perfeição, como o attestão as suas obras, e com especialidade a traducção da Eneida, com que enriqueceo a nossa litteratura, e em que a lingua portugueza aposta com a latina primores de concisão, clareza, flexibilidade, graça, gəlhardia, força, riqueza e pompa, senão pela ventura de harmonia e magestade, em que tambem a não igualão, nem a lingua de Dante, de Petrarca, de Ariosto e Tasso, a qual é de todas as derivadas do Jatim a mais adaptada ao canto; nem a lingua de Lope da Vega, de Alonzo de Ervilla e de Cervantes, da qual dizia o imperador Carlos V que era a mais propria para fallar a Deus.

Sabido é que Virgilio é o auctor da antiguidade que, pela quasi inimitavel perfeição de estilo, tem sido o escolho de um grande numero de traductores, que naufragárão no arduo empenho de vertel-o com propriedade. Por isso ravissimas são as boas traducções deste poeta, notando-se apenas, entre tantas em diversas linguas, uma ou outra que possa passar por tal no juizo dos entendedores.

As passagens de Virgilio mais felizmente trasladadas para o portuguez são sem duvida aquellas que Camões imitou nos seus Lusiadas, imprimindo lles o cunho proprio. A razão é que Camões era a mũitos respeitos um engenho igual a Virgilio. Em verdade, o grande epico portuguez era, pela perfeição sustentada de seu estilo, o mais asado para bem verter em nosso idioma o grande epico latino. Não sendo porem Camões traductor de Virgilio, e tendose apropriado unicamente algumas de suas bestezas, assim como o seu modelo se havia anteriormente apropriado as de Homero, não pode ser confrontado com os traductores da Eneida, e constitue uma especie de exemplar a parte.

A traducção da Eneida pelo Sr. Odorico Mendes, que lemos por mais de uma vez com muito prazer e cotejamos em diversos lugares com o original, é indubitavelmente superior a quantas do mesmo poema se teem até hoje publ:

cado em portuguez, as quaes são rasteiras em comparação della, e pode correr parelhas com as mais gabadas feitas em outras linguas. Nem a de João Franco Barreto, que é uma paraphrase não poucas vezes feliz, nem as de Lima Leitão e de Barreto Feio, nos dão uma idéa tão ajustada e exacta das bellezas do original, porque nenhuma soube como ella reproduzir aó vivo as suas imagens, figuras, perfeição de estilo.

Uma das melhores em verso, de que temos noticia, é a dos Martyres de Chateaubriand por Francisco Manoel, rico thesouro de linguagem poetica, com o qual só nos parece rivalisar ná lingua italiana a admiravel traducção de Ossian pelo abade Cesarotti. E pois a nova traducção da Eneida é, pela profundo estudo do original e apurado gosto com que foi feita, um peculio não menos importante para a lingua portugueza, que se enriquece com ella de muitos terinos novos, e maneiras de dizer, já arrojadas, já graciosas.

Para confirmar o juizo que emittimos, passaremos a dar aqui alguns extractos da nova traducção, não quanto desejáramos e pedia o assumpto, mas quanto nos permitte o acanhado espaço deste jornal,

Eis uma passagem do livro 1o que, pelo feliz combinação que o poeta brazileiro soube fazer de consonantes fiquidas e de vogaes, não cede por forma alguma em doçura e suavidade á correspondente do original, que nada menos é que bellissima. (Pag. 241, v. 721-728.)

Eis outra do livro 2o, que corre parelhas com o original em belleza de imagens, concisão e energia. Notamos principalmente n'ella a habilidade, ou antes felicidade, com que o nosso poeta, soccorrendo-se ao emprego do infinitivo pessoal esperarem, forma que só possue o portuguez, e a uma elipse do verbo principal é (Salvação para os vencidos Uma, esperarem salvação nenhuma), conseguio exprimir em todo o seu laconismo e valentia o Uma salus victis nullam sperare salutem do latim, que só por um circumloquio pode ser traduzido em outras linguas. (Pag, 271, v. 356-381. Veja-se a mudança desta edição na correspondente nota.)

Eis outra do livro 4o, que rivalisa certamente com a do original no arrojado dos tropos, na propriedade dos termos, na riqueza e variedade das expressões, e até no movimento tão bem expresso pela contextura dos versos, divididos de proposito em convenientes pau-as. (Pag. 359, v. 135-165.)

Eis em fim outra do livro 6o que, assim como as primeiras, não é inferior á correspondente do original, seja em naturalidade e graça, seja em precisão e propriedade de termos, seja em viveza, brilho e novidade de colorido. (Pag. 489, v. 654-674.)

Quem ler essas passagens, que tomamos quasi ao acaso, e outras muitas certo reconhecerá o admiravel poema de Virgilio no bem acabado transumpto que d'ele nos dá o Sr. Odorico Mendes. A estes exemplos só acrescentaremos alguns mais, que provão quão bem soube o nosso poeta reproduzir, pela feliz. combinação de consoantes e de vogaes, adrede escolhidas, as onomatopeias, ou poesia imitativa do grande epico latino. (Pag. 255, v. 54–58. Pag. 333, v. 548-555. Pag. 411, v. 156-159. Pag. 793, v. 895-903.)

Com ser tão primorosa, não deixa esta traducção, assim como tudo o que nos vem dos homens, de ter defeitos; e esses nascem pela maior parte de uma de suas principaes virtudes, ou da concisão, levada ao extremo. O nosso poeta traduzio cada um dos livros da Eneida em numero de versos portuguezes, que pouco excede ao dos hexametros latinos; o que, sendo estes de mais extensão que aqueles, é em verdade um grande merito; mas o desejo de ser conciso foi,

por outro lado, parte para que alatinasse algumas vezes a phrase portugueza, seja adoptando frequentemente a elipse da conjuncção « Que », seja collocando na ordem direita a nossa proposicão participio, que a indole da lingua requer que se ponha na inversa, sebem que se deva a tal respeito permittir mais alguma liberdade no verso, principalmente quando se trata de uma versão destas.

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Foi ainda sem duvida o amor da concisão, que the fez dizer: Si os numes valem pios, certo espero Que entre escolhos supplicios mil devores E invoques a miudo o nome Dido ; quando o original traz: Et nomine Dido sæpe vocaturum,- O que, tomando o presente do subjunctivo pelo futuro do indicativo, como elegantemente está na tradocção, quer dizer : E (espero que) chames muitas vezes a Dido pelo seu nome. Ora a traducção fazendo a elipse da preposição-de-, que posta antes da palavra Dido seria de um máo effeito no verso, e é apresentando assim o nome Dido em portuguez, não como o nome de uma pessoa determinada, mas como um simples termo do vocabulario, parece-nos haver destruido todo o pathetico, que encerra a energica expressão latina Et nomine Dido sæpe vocaturum —, da qual é apenas uma copia infiel, uma sombra enganadora.

Mas estes raros e alias desculpaveis defeitos em trabalho de tão difficil execução, qual é a versão do poeta mais perfeito da antiguidade, são compensados por tanta fantasia e vigor de imagens, tanto arrojo e felicidade de figuras, tanta viveza e verdade de colorido, tanta riqueza e propriedade de linguagem, tanta poesia imitativa e onomatopica, tanla e tão sustentada harmonia metrica, ou por tantas bellezas de todo o genero, em summa, que o Sr. Odorico Mendes, depois de haver produzido uma tal obra, pode com razão dizer: — Non ego paucis offendar maculis.

Quanto á adopção de termos latinos, rehabilitação de antiquados e creação de novos, entendem alguns que o nosso poeta abusou da permissão de o fazer, mas não teem razão; porque, se não houvesse recorrido a esse meio indispensavel para ser bem succedido, teria, como seus predecessores, naufragado na empreza de dar-nos o transumpto de um poema do cunho da Epopea de Virgilio, trajado com todas as galas de uma lingua tão cadente, opulenta e magestosa como é o latim, que, desacompanhado do cortejo de certas particulas que tornão arrastrados e prosaicos os idiomas que hoje fallamos, caminha sempre desembaraçado, sempre livre.

Muito mais analogia ha entre a indole do portuguez e a do francez, que entre a indole do portuguez e a do latim; no entanto Francisco Manoel, que era tão grande mestre da lingua, usou amplamente da faculdade de innovar palavras na sua riquissima traducção dos Martyres. Ora se Francisco Manoel, traduzindo do francez, foi novador, com mais razão devia sel-o o nosso poeta, vertendo do latim. Desenganemo-nos uma vez por todas; por mais rico que seja, ou nos pareça o portuguez, nunca poderá, sem soccorrer-se a grandes e frequentes emprestimos, reproduzir uma por uma todas as bellezas das obras primas dos grandes poetas da antiguidade compostas em latim, que, assemelhando-se a elle só na estructura das vozes, diverge mũito na indole, meneio e construcção da phrase.

Está tambem no caso de ser recebida, e ter foro de cidade na nossa poesia, o emprego da proposição infinitiva feito pelo poeta com a suppressão da preposição principal, de que ella depende. E' uma maneira abreviada de dizer, que imprime movimento, viveza e rapidez ao discurso, e de que carece a lingua portugueza, Os Italianos a adoptarão do latim com reconhecida vantagem.

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